domingo, 6 de novembro de 2011

Regresso.

Carregas um corpo que não te pertence, eu sei. Vejo você se fingindo de feliz. Você quer chorar mas a  possibilidade de borrar a face com o rímel que te embeleza te faz permanecer sorridente.
Carregas uma alma que também não te pertence, ela é leve demais para esse corpo frio que tens. Não tens mais fogo e  nem paixão, já não tens mais medo e aprendeste a carregar o peso da solidão.
Sabes que és bela, mas perdeste aquilo que brilha no fundo dos olhos, perdeste o sol que te trazia noites de vida; perdeste as estrelas que guiavam seus dias.
Estas perto daquilo que procuras ser, mal sabe o que o mundo é. Acredita que  a bondade está para as pessoas assim como a música está pro coração. Um beijo que te prende, um sonho que te liberta. Um desejo calado, sufocando a garganta do senhor destino que te pede para voltar.
Você vai ou você fica, nem sabe em quem acredita. Você pede ou você chora, junta as malas, você não fica; você sempre vai embora.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Novos ares

Junto com teu jeito misterioso de me olhar veio o desejo de liberdade. Seus olhos tão escuro quanto a profundidade do abismo que vinha me salvar. Sorrindo das minhas palavras que nem ao menos conseguia entender é que eu pude experimentar o doce de novos lábios. Abraçava-me trazendo de volta o carinho e cuidado que havia deixado tão-tão longe.
Brindava uma inocência da qual dava aulas de sinceridade duvidosa. Pondo-me insegura se deveria confiar-te ou se embalaria-me em seus contos traiçoeiros. Chegava com a sensibilidade do poeta e com a força do tigre. Assemelhando-se a um desses Felis Silvestres que caminha perdido pelas ruas.
Dando insuficiente atenção a criança que ainda não aprendera a amar mas já conhecia o sentido das lágrimas é que clareava a falha dos seus cuidados ternos. Um riso forçado pelo esforço de entender a ironia que nem ao menos tinha tradução. 
Expondo a possibilidade do fracasso ao qual nascera e a tentação de testar o domínio e a fragilidade de sentimentos, algo que trazia escuro, algo que estava fechado.
O sujeito EU do egocentrismo que te pertencia gritava alto ao sujeito meu: 'Vem, não há fronteiras'. 
Vou! Voou. 

sábado, 9 de julho de 2011

Como se faz uma estrela

Sophia havia completado oito anos na semana passada e causava espanto as pessoas por causa de sua miudeza. Poucas vezes ela sorria e parecia nunca escutar direito o que seus avós falavam. Sua memória estava completamente livre; sendo ocupada apenas pela cruel lembrança de um acidente e uma conversa que sua avó havia tido com ela numa noite de outono, explicando-lhe de onde vinham as estrelas.

- Sabe de uma coisa, Sophia... as estrelas é o que há de mais lindo na criação de Deus, depois do ser humano. Deus criou a vida e deu um relógio a cada pessoa dizendo que haveria um momento em que o relógio iria parar. Nesse momento Deus se entristeceu por que não queria perder as pessoas que havia criado com tanto amor. Então ele decidiu que quando um relógio parasse de funcionar ele colocaria uma estrela a mais no céu e assim nunca deixaria de se lembrar daquele cujo o relógio não funcionava mais. Papai e mamãe estão no céu agora, eles são estrelas.

As palavras de sua avó jamais saíram da cabeça de Sophia. "Papai e mamãe são estrelas agora". Todas as noites antes de dormir a menina olhava o céu por alguns minutos, admirava sempre as estrelas e desejava no pequeno raso de seu coração ter uma em suas pequenas mãos.
Haviam se passado três anos desde a conversa com sua avó e Sophia agora recém completou seus oito anos. Era considerada pelos avós como a mocinha da família. Na cozinha de uma humilde casa de interior sua vovó prepara uma linda cesta de pick-nick.

- Sophia hoje você vai conhecer uma das coisas mais bonitas que tem no mundo.

- Mas eu já conheço as estrelas vovó.

- Não, Sophia, o lugar que vou te levar é lindo e não são estrelas. Hoje vou te levar para conhecer o mar.

Durante a viajem Sophia pensava; "o mar não deve ser lindo, não é igual as estrelas". Depois de uma hora de viajem Sophia e os avós chegaram a praia. Desceram do carro, armaram o guarda-sol e prepararam os lanches. Após meia hora ali instalados o avô de Sophia lhe disse:

- Querida vai andar um pouco pela praia, há coisas que são como tesouros e estão sempre muito bem escondidas.

Sophia saiu. Caminhou quinze minutos e encontrou uma trilha de conchas que a levaram ao encontro de uma estrela-do-mar. "O mar é melhor que o céu, as estrelas do céu eu não posso ter em minhas mãos".
Sophia pode ter em suas mãos uma estrela. Sophia foi a caminho de ser uma estrela.

domingo, 22 de maio de 2011

A hora do adeus

E o vazio de sentimentos vai sempre estar em mim. O resto do preenchimento de minh'alma se foi com o fim do brilho do meu olhar. O coração vai bater sem música a partir de agora; e aquele filme que combinávamos de assistir nas férias de inverno vai ficar para uma próxima possível companhia. E eu do outro lado da estação, vou acenar com mãos de um adeus. Porque em meu peito há necessidade de uma nova ferida e não há sentido que preencha a falta de sentimentos.
O escuro do velho caminho acalenta a amargura. A amargura da velha vida cerca o conformismo me fazendo estática a propensão do novo e do bom. Secaram as lágrimas que me davam esperança, fugindo também o riso lúdico estampado em minha face. Perdi o encanto do amor que dava-me luz restando-me vestigíos de purpurina-púrpura que colorem minha casca.
Desejei ao que estava distante pelo simples prazer da busca e abrindo mão do que me era fácil perdi tudo aquilo que estava por perto. Me acompanham os passos desritmado de um corpo pesado por seus pesadelos. Abrindo a janela para o sol entrar e descobrindo que é com o coração vazio que a paixão vem visitar. A insistente dúvida do "quem já amou é que aprendeu a amar?".
Perdendo o dom da poesia e do canto que dava vida as noites de embriaguez. Aceitando a qualquer troco que pagasse a passagem de partida. Retorcendo-me a possibilidade do retrocesso, e descobrindo que a virgindade não lhe fez santa. O seu coração se fez de pedaços pequenos de grandes frustrações.
Seus preceitos mergulhados no preconceito que a movia, fazendo-a vazia e seca. Movendo-se em circúlos de  fogo que faziam arder seus pensamentos enquanto os queimavam. Calmamente, movendo-se-ia após conhecer os efeitos da estricnina.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Dualismo

Seu pensamento era negro e frio, a alma entretanto era transparente e totalmente doce. Era uma diferença paradoxal que a perseguia quando vagava à noite pelas incertezas. Perdendo-se na possibilidade do que poderia ter sido e simplismente não foi.
Usando a aureula e o tridente como partes do mesmo figurino, fazendo-os como uniformes que por de trás de si exprimiam sua rude beleza. Os dias tornando-se interminavéis como o fim das palavras nunca pronunciadas. O silêncio preenchendo o escuro vazio que deixou. Esquecendo-me em outo rosto, um resto, outro amor. Procurando em sua mente o resquicio de qualquer tristeza, adoçando ao amargo que o espiríto exalava.
Em seu fundo de memória não existiam mais saudades, não existia esperança, não existia rancor. Preferiu ver ao mundo com menos mágoas e mais leveza, anestesiando aquela dor infundada que se espalhava entre seu sangue.
Desejava o efeito do ácido cianídrico como o felino deseja o contúdo do aquário. Reconhecendo sua potencial incapacidade de pronunciar um não. Em sua duvidosa inocência pedia perdão por não ter cometido um grande erro. Somavam-se seus pequenos pecados que teriam um preço barato a ser pago, talvez o preço disso fossem suas lágrimas de crocodilo.
Qual teria sido o caminho que a afastou de seu mundo nude. Em qual cruzamento nos encontraríamos mais uma vez? Eu ainda sentindo medo do escuro...

terça-feira, 5 de abril de 2011


É como não ver, não querer enxergar a realidade daquilo que acontece estaticamente a sua frente. Você está alí e não quer estar, seus pés afincados ao chão como parte daquele ambiente que se estabeleceu diante de ti.
E você se tornando parte do meio enquanto o meio se torna parte de você.
A luz correndo a uma velocidade tão grande que não há tempo pra respirar, você respirando a tanto tempo que já nem sabe se vai correr.
A terra sob você se move sem perceber. A tela a sua frente e você nem sabe quem a assina.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Folhas de outono

Era ali o lugar de onde nunca deveria ter saído, sentia a proximidade comigo mesma. Poderia ter existido uma lágrima, seria tão natural vê-la escorrendo sobre minhas têmporas. Não houveram lágrimas. Dessa vez até a dor fora invisível. Apenas uma coisa persistia em existir, o cansaço. Era o cansaço de pés que caminham descalço na areia do deserto.
 Existia apenas uma saudade sem nome, ou que tem nome de eu-sei-lá-o-que. Um ponto incerto.
O senhor passado ia me dando tchau com um ar de que breve viria visitar-me e eu que não combino como anfetreã pedi ao presente que o acompanhasse. Não é bom que ninguém ande desacompanhado, é sempre bom ter alguém por perto. 
É sempre bom ter alguém por perto mesmo que seja para admirar as folhas de outono, é bom ter alguém mesmo que não seja inverno.
Então me perguntei: e você por que estás sós? E depois de uma longa pausa comigo mesma eu respondi: É, eu acho que aprendi a gostar do frio que trás a solidão.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Intertextualizando

[¹] Quando se é criança e anda de mãos dadas não percebe que na  vida terá muitas correntes quebradas, acredita sempre existir alguém que o segure quando quiser se jogar e espera tanto o natal por que sabe que com ele vem os presentes.
Ela não aprendeu que do hoje para o amanhã são só vinte e quatro horas e tem medo que o mês do seu aniversário nunca mais chegue.
Vai aprender logo que o frio exige cobertor e que às vezes o oferecerá a alguém que não precisa e vai negar o perdão a quem possivelmente o merecia. Algumas vezes você vai se calar nos momentos mais difíceis.
Talvez você se arrependa de fazer certas coisas, mas se arrependerá muito mais daquelas que não foram feitas. Num dia de chuva você vai sentir saudade de um amigo que não vê a anos. Olha para trás  e vê que os amigos da faculdade já não são os mesmo que andavam com você de bicicleta.
As lágrimas vão encharcar o travesseiro por aquela pessoa que se foi sem que ouvisse mais uma vez que você a amava.
A maneira como agimos com os outros mostra quem somos de verdade, e ter caráter é algo que depende exclusivamente de nós.
Em algum momento você vai fugir para caminhar sozinho na praia e em pensamento vai descobrir que a verdade não tem dono.
Você vai aprender que os heróis só existiram depois dos vilões. E que ninguém nasceu bom em nada, mas com certeza os melhores são também os mais dedicados.
Vai achar que depois dos dezoito anos o tempo voa, mas mesmo antes disso você terá de fazer escolhas responsáveis. Muito antes disso você vai descobrir que os presentes de natal  eram dados por alguém que o amava mais que o bom velhinho.
Quando o amado se for você vai gritar irracionalmente sem se dar conta que o amor jamais acaba, apesar de existir de várias formas.
Vai aprender que por maior que seja a dor emocional que sinta sempre terá alguém em uma situação pior.
Você vai aprender que a grama morre instantaneamente quando se caminha sobre ela.



¹ Um dia você aprende/ William Shakespeare

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Esperança que se cansa

Aquele antigo costume já se tornava um vício que aos poucos embebedava sua alma. O velho costume de sair pelas portas do fundo era uma cena corriqueira em sua vida. Ao sair não fazia barulhos, deixava a porta sempre entreaberta para que não a esperassem ao final da tarde.
O vício de não regredir fazia dela uma sonhadora que ao longo de seu caminho cravejado de espinhos, lá perdendo suas raras rosas adormecidas que conheciam bem o som do soluço que acompanhavam aquelas lágrimas salobras. O vento que acompanhava seu caminhar ia se opondo aos sonhos que carregava em sua cesta de pic-nic... nem sabia ao menos se encontraria um lugar tranquilo para descansar. Seus pés estavam descalços  e apresentavam a canseira do caminhar.
Resolvera repousar só por uma noite e quando acordou é que percebeu os anos que haviam se passado de uma hora para outra. Se tornou mulher sem ter tido ma noite digna de debutante. Com um simples pulo de corda passou da infância para a velhice com a boca cada vez mais murcha e a pele menos elástica.
Passaram os amores, os amantes, os amigos e o verão. O tempo carregou a esperança, o sorriso e a lucidez. Estava esperando desacompanhada a entrada daquela que não tem a cor revelada... esperava, já cansada; o fim.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Carta de Maria ao Jão

Hoje é dia cinco do primeiro mês do ano, ainda estou meio perdida com o novo ano e também com a troca de horários por isso tenho dormido até tarde. Este ano o verão começou bem mais quente do que costumava ser. Na semana passada tive uma insolação, há muito tempo minhas pernas não eram expostas ao sol; sua brancura era tanta que dava pra seguir com os dedos o caminho das veias.
Eu estou bem querido, alimento-me três vezes ao dia e nos últimos meses ganhei alguns quilos, não pense que estou gorda, apenas perdi aquela aparência doentia e anorexa da qual me viu antes de partir. Alguns vestidos estão até ficando melhor em mim agora. Comprei um delineador novo para mim, o meu antigo já não deixava  o traço perfeito e também comprei um batom, ele é vermelho (o meu favorito) mas ainda não o usei, vou deixa-lo fechado para que você o veja quando chegar.
Por falar em voltar, me avise se você vem passar a Páscoa comigo, é que eu queria fazer aqueles bombons caseiro de brigadeiro que tanto gosta.

Lembra daquele nosso velho amigo? Pois é, já não me escreve mais. Se souber como ele está por favor me avise. Ah querido você merece um puxão de orelhas por ter contado o meu segredo a ele... mas eu poderia te perdoar por isso.

Essa é a 36° carta que eu escrevo desde que você se foi, tento escrever toda a semana ou pelo menos a cada quinzena. Lembro-me do dia em que saiu de casa, era final da primavera. A primavera se foi, voltou e novamente se foi sem que você voltasse.
Querido comece a mandar as cartas para a casa da mamãe, há algo de errado com o nosso endereço pois até hoje nenhuma carta chegou. Talvez eu devesse ir até o correio ver o que tem de errado, é que da última vez que estive lá a senhora da recepção disse que nesse período não chegou nenhuma carta sua para mim, eu sei que ela deve ter ser enganado, sei que não me abandonaria por tanto tempo.
No sábado passado eu saí de casa pela primeira vez, não fique bravo por eu ter ido ao baile com duas amigas, eu disse a elas que não iria gostar mas elas insistiram bastante para que eu fosse. Dois ou três rapazes me chamaram para dançar, por favor não fique zangado ou com ciúmes, eu disse a eles que você poderia voltar a qualquer momento; acredita que um deles até riu de deboche dizendo que você não vem mais!? As vezes eu temo que eles possam estar certos...
É pena, mas agora preciso me despedir, ainda tenho muito que fazer. Vou regar as rosas que você me deu, alíais a roseira está enorme e muito linda, você vai ver quando chegar. Tenho cuidado dela como cuidaríamos um do outro.
Jão, estou sentido sua falta, mas eu espero você voltar.
Meu querido, se cuide enquanto eu vou sobrevivendo.
            
                                                                                                  Maria