quinta-feira, 29 de abril de 2010

Voo quase livre

Não me dê tchau pela janela do carro não quero despedidas... não quero amores e nem faço mais questão das flores... eu quero poder virar de costas e suspirar aliviada por não ser mais observada, seguida, perseguida descreveria melhor a atitude com que agem em relação a mim. Voltar ao anonimato me faria bem. Pare de olhar pra mim como se ainda fosse criança e precisasse do seu colo cada vez que perdesse minha boneca, perceba que já as abandonei por vontade própria, não por que acho que chegou a hora de crescer mas pelo simples fato de que de que toda menina enjoa da boneca e descobre brinquedos mais interessantes.
Saia pela janela do sexto andar voando, sim use suas asas pra se afastar de mim, não precisa ter mais medo. Você é livre, sim voe, suspire. Siga os pássaros... a direção é mais ao norte, é longe eu sei mas siga-os. Vou deixar a janela aberta, não pra esperar que você desista do voo, vou deixa-la aberta para entrar um ar, vou abri-la para poder finalmente respirar. Estou sufocada pelo ar de lembrança que ronda esse quarto... sufocada por um suspiro entalado em minha garganta. Vamos, comece a voar sempre terá tempo de acompanhar os pássaros,  de seguir os ventos... voe.
Quando chegar ao norte e ver que lá está um pouco gelado não pense em voltar, o caminho que percorreu está correto só precisa se acostumar a aguentar o frio sem meu abraço; sem que eu o espere na janela.
Grite mais baixo no meio da dor. Seus gritos me incomodam e não me causam vontade de ajuda-lo. Grite mais baixo por favor! Não grite os teus medos, seja forte e o esconda, sim eu sei que você é capaz de escondê-los, sei que é capaz de sufoca-los assim como eu sufoquei todas as minhas lágrimas. Pode olhar para trás se quiser, só me faça a gentileza de não se arrepender e te peço isso com um tom de imploração e ao mesmo tempo com a voz de ordenamento que eu mesma já não a conhecia.
Amanhã  eu sei que verei mais beleza, eu sei... mas não tenho ânimo para as admira-las. Não tenho mais vontade do verde ou do vermelho, minha vontade é o acinzentado. Já não me decido mais pelo preto ou branco e na verdade isso pouco importa pois ambos estão na metade do cinza, o que é bom pois já seria meio difícil a essa altura decidir se estou meio morta ou completamente viva.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Retórica

... Aconteceu que deixei de vagar com meus sonhos durante a noite em meu quarto só. Levantei pela manhã com o corpo leve, parecia não mais conter o peso de uma alma entristecida. Fechei os olhos e alarguei os lábios com certa graça que me era peculiar.
Com dois passos em torno de mim mesma pude ver a todos aqueles que me assistiam, seus olhos brilhavam de uma admiração que até então não havia sabido reconhecer mas que a partir de agora me fazia tão bem.
Sim! me fez bem ver-te espelhado(a) em mim. E trágico seria se não cômico observar um rascunho copiado de um Shakespeare original.
Simplesmente voltei a ter pena. Acreditava não mais me deparar com pobres imbecis, acabei sendo tão cega ao ponto de permitir que tais gozassem de minha presença.
Graças a Deus, ao espaço talvez, me alivio aos poucos de ti (deles). Estranho é pensar que dormi durante os anos que minha platéia anciava pela estréia.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Pisca - pisca

“A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca.
A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar, chegou ao fim, morreu.
Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso.
É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais.
[...] A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia.
Pisca e mama;
pisca e brinca;
pisca e estuda;
pisca e ama;
pisca e cria filhos;

pisca e geme os reumatismos;
por fim pisca pela última vez e morre.
- E depois que morre? – perguntou o Visconde.
- Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?



                                                                                                                                   

Monteiro Lobato

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Fim da poesia

Comecei a olhar tudo aquilo de maneira distante e não mais querendo ou não podendo decidir se ali realmente era o lugar certo para o descanso. Vi o começo de maio e o fim da primavera ao mesmo tempo, até ela cansara de esperar por um raio de sol.
Era o fim de mais um capítulo; era como alívio pro poeta que se dedica a obra por amor mas não abre mão do reconhecimento.
Posso ainda dizer que vi uma lágrima, vi mas não a ouvi, elas voltaram a se calar, passaram a não mais ter sentido. Percebi que faltava algo àquela alma e não algo irrelevante. Faltava vida a ela... faltava um pouco de vida.