sábado, 14 de agosto de 2010

Memórias póstumas

Maio acabou. A flor ainda está lá, e viva, mas eu sei que ela também vai morrer. Sim, a mesma flor que esteve presente no ápice se fez presente na despedida. A mesma flor que havia me trazido vida está presente no meu enterro.
Eu já quase não me recordava do começo, era distante demais e eu sabia que o fim estava bem mais próximo que o início. Meu assassinato estava chegando, você me matava enquanto eu permanecia quieta. Você me matava com palavras enquanto eu morria em silêncio. Eu nem tive tempo de gritar; morri.
Olhar a tudo é bem mais interessante aqui de cima, esta alma vazia transita sem ao menos ser percebida. Ela vaga por noites vazias. Ela já não pode mais ouvir vozes, somente vê aos gestos que ainda lhe são confusos, principalmente vistos de tão longe.
Minha alma vaga de longe e a cima de tudo, ela só não está no céu e nem sabe se é para lá o seu destino. Eu sabia que deveria ter me preparado melhor para a morte. Minha alma, coitada, está purgando.
Coitada? - Não tenhamos pena dela, cada um tem o fim segundo o julgo de seu assassino. Foi você quem disse que eu estava morta, só se esquecendo de agir como Deus ou o diabo, você me matou e nem ao menos me deu abrigo, matou-me pelo simples prazer de sua existência.
Vejo e revejo mil vezes a mesma cena, vejo-a tão embaçada que não sei se o que me matou foi o teu ódio ou teu amor. E que diferença isso faz, afinal um já existia sobre e sob o outro.
Só peço que tirem o meu corpo do meio da rua, as pessoas estão comentando, perguntam umas as outras de quem é esse esqueleto estirado. Tire meu cadáver da rua enquanto ele ainda não entupiu os bueiros com minha imundice e meu sangue sem hemoglobinas.
Vejo que já é hora de me retirar, vou a procura de qualquer advogado do diabo que me dê clemência. Que abrigue minha alma fora do purgatório, estarei preparada para qualquer que seja o sim. "Eu vi a cara da morte e ela estava viva" ¹


                                                                                                               1: Boas novas; Cazuza.