sexta-feira, 30 de julho de 2010

Variantes

Aos poucos ia percebendo que já não tinha mais motivos para sonhar.  Percebia que só se levantava da cama por que o sono já havia acabado. E que as enormes olheiras estampadas em sua face era o sinal de uma péssima noite anterior.
Dessa vez caminhava do lado mais movimentado da calçada. Ainda que odiasse a multidão era perto dela que queria estar. Ainda que já conquistara a salvação parecia não abrir mão daquele perdão.
Seu tempo era mais dedicado aos outros do que ao espelho. A imagem refletida se assemelhava a imagem da derrota. Faltava-lhe força. Havia sobras de amor e um cartaz à procura da esperança.
Escondia-se na forma singular de um olhar, esse sempre a procura de luz. Retribuía aos abraços  como se gostasse deles. Via a tudo e falava apenas o necessário. Já não via a necessidade de sua presença, de seus sorrisos. Não via a necessidade do tempo e do tamanho espaço.
Aos poucos ia percebendo que ao seu redor variava os gostos, os rostos. Variava em seu sentido e forma . Ainda não perdera sua aparência de rosa, apenas se protegia mais com acúleos e evitava que exalasse seu perfume.
Era intensa de sentimentos, porém seca de palavras. Duvidava de seu próprio caráter, não que fosse perversa ou desejasse a maldade, mas, era entre esses que se escondia. Trazia consigo uma feição temerosa e mãos frias.
Não teria sido o suficiente a tristeza do poeta ou as lágrimas do ator. Ela estava no teatro a meia hora e ainda não descobrira a que peça havia interrompido.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Personificação

Um olhar mais perdido que o de costume. O batom vermelho saíra antes do primeiro beijo. As luzes tonteantes a agitava e mesmo sem apreciar o rítimo sentia em  seu sangue um calor dançante. Era impossível vê-la  sem querer descobrir mais de sua origem. O intrigante é que ela não tinha passado. Tudo que vivera até alí era uma noite sem recordações.
Via ao lado a cena patética de um beijo sem esperanças. Fugia o olhar como quem foge ao mundo. Vivia em seu mundo de escassez. Agora estava presente nele e lhe era  escasso o oxigênio, a sobriedade e o amor. Talvez a falta deste o levara até alí. Por não mais acreditar nos contos de fada é que preferia estar com as bruxas.
Contava suas histórias como quem tivesse  sido feliz nelas. Mostrava sua inteligência confusa. Causava admiração, e ela sabia bem disso. Era o que queria, era o que lhe bastava.
Naquela noite ela não tinha sonhos, não tinha medos, nunca tivera amores. E não estava a procura de um. Ela buscava algo que a tirasse de sua realidade. Aspirava monóxido de carbono como quem aspira vida. Tragava como quem pede paciência. - Eu sei que ela tinha pressa.
Tinha pressa daquele olhar que já havia percebido ao lado. Tinha pressa em perder os sentidos. Tinha pressa em sua paixão noturna.
Agora ela se apaixonava por todos e à toa , preferia assim. Sabia que lhe era melhor. Neste ela amava a maneira como a olhava fixamente. - Todos sempre a olham fixamente. Naquele gostava da maneira como lhe mandava flores. - Ela odiava o perfume das flores.
Sabia que seu charme estava ao fim. A noite já estava acabando e era vaidosa demais para  permitir que a vissem sem maquiagem. - Era triste demais para permitirem que a descobrissem sem máscaras.
Precisou aspirar  o oxigênio que ainda lhe cabia nos pulmões e ter coragem para sair, sem ao menos dar um tchau. Sem chances de que lhe descobrissem o personagem.

domingo, 4 de julho de 2010

Espécie

Esse barulho do vácuo é atormentador e bom aos meus ouvidos. É realmente aquilo que eu preciso escutar... nada. É também o máximo que posso esperar.
Não escuto passos. As pessoas são desorientadas e nunca sabem em que direção devem caminhar. Não percebem que há apenas um caminho a se escolher; e que o sentido de sua caminhada não precisa ser constante. Elas não percebem que há momentos certos , melhores para se começar a andar.
Ando em silêncio! Gosto do susto momentâneo da surpresa. Para quê chegar com olofotes e já ver a reação alheia? O bom mesmo é admirar rostos com expressões assustadas pelo inesperado.
Infelizmente são todos iguais, repletos de uma enorme previsibilidade. Não o culpo, afinal o defeito é dessa raça "humana" da qual você faz parte.